Desastre Aliado em Arnhem
As tropas alemãs colocadas na Frente Ocidental, derrotadas em Falaise, deram início a uma manobra de retirada para lá do Sena. Os comandantes aliados não hesitaram em perseguir as forças alemãs em fuga mas, por um conjunto de erros que se revelariam fatais, foram incapazes de atravessar o Reno e penetrar pela primeira vez em território alemão.
A Linha Sigfried, uma das defesas alemãs, funcionaria como um dique na progressão dos Aliados e, por ordem de Hitler, seria a partir daí que as forças germânicas lançariam a contra-ofensiva destinada a recuperar a supremacia no terreno.
No diário do SHAEF, com data de 26 de Agosto de 1944, podia ler-se: O grosso dos exércitos alemães, no sector Oeste, foi destroçado. A França recuperou Paris e as forças aliadas avançam rapidamente em direcção à fronteira alemã.
Este documento espelhava bem o optimismo exagerado, a sensação de guerra já ganha, que dominava o espírito dos comandantes e dos soldados das forças anglo-americanas.
Até ao Reno, sem paragens
O plano de invasão traçado de início pelo SHAEF previa que as tropas se detivessem junto a uma linha delimitada a Norte pelo Sena e a Sul pelo Loire, adiando o ataque à Alemanha até que os portos da Bretanha estivessem de novo operacionais.
A pesada derrota infligida aos alemães na Normandia iria alterar por completo os planos, já que ninguém encarou a possibilidade de que a caminhada vitoriosa dos Aliados pudesse ser travada pelas debilitadas tropas alemãs. A meta já não era o Sena mas o Reno, distante 400 quilómetros do ponto em que se encontravam as forças anglo-americanas.
Pese embora o clima de euforia, a verdade é que a logística aliada primava pelo improviso e pela fragilidade. A 19 de Agosto, por exemplo, o único porto disponível era o de Cherburgo, com os abastecimentos a efectuarem-se ainda através das praias Overlord e Dragon. A fragilidade da logística não foi, contudo, suficiente para que o comando aliado ordenasse uma pausa nas operações. O único ponto controverso era, afinal, saber qual a estratégia a seguir para atingir os novos objectivos.
Solução de compromisso
Montgomery propõe a Eisenhower, em reunião efectuada a 23 de Agosto, um plano assente numa progressão a efectuar em direcção a um único ponto do Reno, contando para tal com o poder e a eficácia de uma massa militar formada por quatro dezenas de divisões. Estas deveriam avançar pelo Norte das Ardenas formando uma tenaz que isolaria a bacia do Rhur.
A ideia não foi aceite por Eisenhower, considerando que esta manobra, ao concentrar todas as tropas num único ponto, acabaria por deixar expostos os flancos em caso de um eventual contra-ataque inimigo. A solução defendida por Eisenhower passava, como explicou a Montgomery, pelo tradicional avanço em colunas paralelas.
Ao mesmo tempo, o general norte-americano Bradley discutia com Patton o projecto de um ataque direccionado a Leste, passando pelo Sarre em direcção ao Reno, tomando Frankfurt pelo Sul. Este era, na opinião de Bradley, o plano mais eficaz para a movimentação do grosso das tropas.
O comandante chefe viu-se, então, obrigado a servir de moderador entre os seus chefes militares, acabando por adoptar uma solução que, sendo de compromisso, não agradou a ninguém.
Seria, então dada pela prioridade ao avanço de Montgomery até que este ocupasse Anvers, deslocando-se as forças do I Exército dos EUA, comandadas pelo general Hodges, em direcção ao Norte, cobrindo o flanco das tropas britânicas.
Alemães caminham para o caos
Enquanto isso, do lado alemão era dada a ordem de retirada da frente, contando com o apoio e a protecção das debilitadas divisões Panzer. As intenções de Hitler de transformar o Sena na linha de defesa mais avançada acabaram por ser goradas, restando agora aos alemães recuarem até à Linha Sigfried, junto da fronteira alemã, reorganizando as suas tropas.
O Grupo de Exércitos B do marechal Model fraccionava-se, criando três linhas de retirada: a Norte, o XV Exército abandona Pas de Calais; o V Panzerarmee cobria, pelo centro, a retirada do dizimado VII Exército que se movimentava em direcção a Somme; a Sul, o I Exército retrocedia, evitando ser esmagado pela progressão das forças franco-americanas vindas da Provença.
Quanto ao Grupo de Exércitos G, foram recebidas ordens para um rápido recuo, levando até ao Ródano uma das suas unidades de combate, a saber, o XIX Exército.
Hitler ordenou, em seguida, que as tropas efectuassem uma primeira paragem antes da Linha Sigfried e, de seguida, consolidassem posições na referida Linha. Simultaneamente, os comandantes das forças que ainda ocupavam os portos da Bretanha - todas elas sujeitas a um apertado cerco dos Aliados - receberam ordens para resistir até ao último homem, impedindo que as instalações portuárias pudessem ser aproveitadas pelos Aliados.
Objectivo: Holanda
A ofensiva de Montgomery em território belga, executada pelo Grupo de Exércitos comandados pelo marechal, tinha por missão capturar e aniquilar o XV Exército alemão - o qual escapara ileso das operações na Normandia - e destruir as rampas de lançamento das bombas-voadoras usadas para atacar o Reino Unido.
Ambos os objectivos ficaram a cargo I Exército canadiano do general Crerar, cabendo ao II Exército britânico do general Dempsey, funcionando como linha avançada, conquistar Anvers e abrir caminho pela Holanda até Rhur.
A 3 de Setembro, a Divisão de Blindados da Guarda do II Exército britânico tomava Bruxelas e, no dia seguinte, a 11ª Divisão de Blindados conquista Anvers sem que os alemães tenham tido tempo de destruir as instalações portuárias. Os Aliados não tomaram qualquer precaução que garantisse o controlo das pontes do Canal Alberto, nos arredores da cidade, as quais seriam dinamitadas dois dias mais tarde pelos alemães.
Outro erro, que se revelaria decisivo nas batalhas seguintes, consistiu em deixar desguarnecida a península de Beveland, pela qual escapou o que restava do XV Exército alemão usado, tempos mais tarde, para contrariar o avanço dos Aliados em direcção a Arnhem, na Holanda.
O pior que poderia ter acontecido aos Aliados na sua progressão para o Reno foi a pausa que se prolongou de 4 a 7 de Setembro, ou seja, após a entrada na Bélgica. Todos, oficiais e soldados, davam então por terminada a guerra. A 4 de Setembro, coincidindo com o primeiro dia de descanso, o general alemão Student, comandante das tropas pára-quedistas, recebe ordens para reunir todos os homens que pudesse e formar com eles uma linha defensiva ao longo do Canal Alberto, tendo como pontos de referência Anvers e Maastricht.
Seria este improvisado I Exército Pára-quedista do general Student o responsável pelas dificuldades encontradas pelos Aliados ao longo das duas semanas seguintes que, até 17 de Setembro, pouco ou nada progrediram no tempo.
Em meados de Setembro os alemães tinham fortalecido a quase totalidade da sua linha defensiva, sobretudo no fragilizado sector setentrional.
Reno: um rio longe demais
Foi esse, precisamente, o sector escolhido por Montgomery para lançar nova operação, a 17 de Setembro, a qual deveria levar as suas tropas até ao Reno tomando Arnhem. A Operação Market-Garden, previa um ataque de forças aerotransportadas, o I Exército, que deveria abrir caminho ao II Exército britânico.
O atraso na limpeza do estuário do Escalda e a abertura do porto de Anvers atrasariam a ofensiva contra Arnhem. Falhada esta última operação, optou-se então por dar prioridade às duas primeiras.
A lentidão com que foram eliminadas as bolsas de resistência alemã nas ilhas de Breskens e Walcheren e na península de Beveland acabaria por se arrastar até ao início de Novembro, atrasando muitas das operações previstas para esse período.
Apesar dos contratempos, os Aliados haviam dado passos importantes no seu avanço até ao coração do Reich. Importantes mas não decisivos. Foi preciso esperar pela Primavera de 1945 para que os efeitos desastrosos dos erros de Setembro se dissipassem.
Operação Market-Garden
Quando, em Setembro de 1944, os Aliados confrontados com dificuldades nas linhas de abastecimentos e com o endurecer da resistência alemã, o general Montgomery imaginou e mandou executar um dos mais engenhosos planos para aniquilar, antes do novo ano, o exército alemão.
Após quase dois meses de inactividade no difícil terreno da Normandia, os Aliados quebraram a linha defensiva alemã, dando início a um rápido e fulgurante avanço que levaria o XXI Exército até ao Canal Mosela-Escala já na fronteira com a Holanda. A 11 de Setembro, Montgomery encontrava-se a pouco mais de 160 quilómetros de Ruhr, uma das mais importantes regiões industriais da Alemanha. Nessa mesma data, o III Exército dos Estados Unidos comandado por Patton, alcançava o Sarre, outra região fabril vital para o esforço de guerra alemão.
O plano de Montgomery, apresentado a Eisenhower no dia 10, consistia em usar a porta de serviço mais próxima - a Holanda - contando com o apoio de tropas aerotransportadas lançadas na retaguarda das linhas alemãs, as quais teriam por objectivo conquistar cinco pontes estratégicas da estrada entre Eindhoven e Arnhem.
Tomadas as pontes caberia, ainda de acordo com o plano elaborado por Montgomery, à força aérea limpar o terreno por onde avançariam o 11º Exército britânico que, com a testa de ponte em Arnhem, não teria qualquer dificuldade em atingir Ruhr.
Seduzido pelo plano, se bem que não totalmente convencido da sua eficácia, Eisenhower deu luz verde a Montgomery. Este iniciou, de imediato, os preparativos da operação, baptizada com o nome de código de Market Garden, que deveria ter lugar no dia 17 de Setembro.
Ponte de Arnhem: objectivo estratégico
Em Inglaterra ultimavam-se os preparativos para a maior operação aérea realizada até então, envolvendo 5 mil aviões e três divisões - a 1ª Divisão britânica e a 82ª e 101ª Divisões norte-americanas - contando ainda com o apoio da Brigada de pára-quedistas polacos. O número de homens e meios necessários obrigavam a prolongar as operações de transporte por três dias.
Na data prevista para o início da operação, 17 de Setembro, a 101ª Divisão dos EUA deveria tomar posição próximo de Eindhoven, abrindo a frente Sul; a 82ª Divisão deveria assegurar as posições situadas a meio caminho entre Eindhoven e Arnhem, cabendo-lhe tomar a ponte de Nimega. O ponto-chave de toda a operação, a ponte de Arnhem - uma centena de quilómetros a Norte das posições das forças terrestres - ficaria a cargo dos homens da 1ª Divisão Aérea Britânica, comandada pelo general Robert Urquarth.
A missão confiada a Urquarth e aos seus Diabos Vermelhos não primava pela facilidade, já que deveriam conquistar e manter as posições até à chegada da Infantaria e da Cavalaria, correndo o risco de ficar isolados caso estas últimas forças fossem travadas pelo inimigo.
Dificuldades inesperadas
Impossibilitado de transportar a totalidade dos homens e do material num só dia, Urquarth viu-se forçado a escolher um local distante da ponte de Arnhem para largar os seus homens, perdendo a vantagem da surpresa e arriscando-se a sofrer algumas baixas na progressão até ao alvo. Ao tomar conhecimento de que os alemães haviam instalado uma linha de defesa antiaérea junto a Arnhem, a RAF escolheu Renkum, doze quilómetros a Oeste do alvo, como posto de lançamento dos pára-quedistas. A partir daí seria lançado o ataque a Arnhem.
A meio da manhã de 17 de Setembro, um Domingo, 4.700 aviões deixavam as bases inglesas. Às 13 horas e 30 minutos desse mesmo dia, os primeiros pára-quedistas tocavam solo holandês e, quase sem resistência, avançavam em direcção ao seu objectivo.
De início tudo correu de acordo com o plano. Os planadores e os pára-quedistas chegaram ao solo sem qualquer problema, encontrando aqui e ali uma débil resistência por parte dos alemães, saudados à sua passagem por civis holandeses que lhes ofereciam flores, fruta e leite.
Depois, e ao contrário do previsto, foram obrigados a enfrentar duas divisões de blindados das SS que, ao compreenderem as intenções dos Aliados, encetaram um rápido avanço em direcção à ponte de Arnhem.
Do lado dos Aliados, apanhados de surpresa pelo valor das tropas alemãs no terreno, a 1ª Brigada Aerotransportada britânica esforçava-se na manutenção da supremacia nas zonas escolhidas para a chegada da segunda vaga de assalto, agendada para a manhã do dia seguinte.
A segunda surpresa desagradável surgiu no momento que atingiram as primeiras aglomerações urbanas e as zonas densamente arborizadas: nesses locais, com consequências que se viriam a revelar trágicas, os rádios não funcionavam, privando a 1ª Brigada de contactos entre si e com as restantes forças.
O imenso fogo alemão impediu que os homens dos 1º e 3º Batalhões progredissem na estrada principal de Arnhem, obrigando-os a escolher estradas secundárias, uma manobra que os faria perder tempo e mobilidade no terreno. Menos problemas tiveram os homens do 2º Batalhão, sob o comando de John Frost, que se movimentaram por uma estrada secundária.
Pouco depois, a calma daria lugar a uma violenta batalha. As investidas dos pára-quedistas do lado Sul da ponte revelar-se-iam infrutíferas, com as tropas alemãs a repelirem, um após outro, os ataques dos Aliados. A única nota positiva foi a impossibilidade de o comandante do II Grupo de Panzers das SS, Wilhelm Bittrich, enviar uma das suas divisões para reforçar as defesas de Nimega.
A carga das SS
A noite ficou marcada pelo recrudescer da violência. Uma após outra, em vagas consecutivas, as unidades alemãs lançaram-se ao assalto das posições defendidas pelos britânicos.
As armas ligeiras de que dispunham os soldados britânicos revelaram-se insuficientes para deter o avanço alemão. Mesmo assim, num combate desigual, os alemães acabariam por perder 22 carros blindados.
Travado pelos alemães, o general Urquarth - escondido durante 40 horas numa quinta no interior das linhas germânicas - viu-se impossibilitado de coordenar e participar numa das fases mais críticas e decisivas da batalha.
Mais tarde, já instalado no Hotel Hartenstein - no qual estava sediado o comando das tropas - Urquarth tomou, finalmente, conhecimento da situação dramática que se vivia na frente. Para cúmulo, a segunda vaga de assalto chegara com quatro horas de atraso e encontrava-se dispersa por uma zona demasiado ampla. E, como se não bastara, os pára-quedistas eram forçados a defender-se dos ataques dos carros de combate inimigos dispondo unicamente de armas ligeiras.
Terça-feira o cenário tornou-se ainda mais complicado. Frost continuava à espera dos reforços indispensáveis à conquista da ponte só que o nevoeiro que se fazia sentir impediu o transporte da brigada polaca para Arnhem. Urquarth, por seu turno viu-se privado de abastecimentos.
Perante este panorama sombrio, Urquarth, ciente de que as suas forças estavam irremediavelmente perdidas, acabaria por tomar uma decisão que tinha tanto de difícil como de inevitável: pôr termo às acções de conquista da ponte, fazendo recuar os batalhões que restavam da sua divisão até Hartenstein, deixando isolados os homens do 2º Batalhão. Em contrapartida, o regresso dos referidos batalhões permitiria defender Hartenstein até à chegada das forças terrestres.
Tragédia em Arnhem
Os homens do 2º Batalhão estavam exaustos. Quarta-feira, três dias depois de terem chegado a Arnhem, as hipóteses de sobrevivência eram poucas ou nenhumas. Os carros de combate alemães cruzavam livremente a ponte, avançando uma e outra vez contra as posições britânicas que, a 21, cederiam definitivamente.
Os reforços chegariam apenas ao final do dia. Após um duro combate com as tropas alemãs, duas centenas de homens da Brigada polaca chegavam a Driel e, pouco depois, cruzam o rio e unem-se aos pára-quedistas britânicos. Na manhã do dia seguinte, uma unidade de Cavalaria britânica estabelece ligação com parte das exaustas forças aerotransportadas e com as forças terrestres.
No Sábado e no Domingo, com a situação dos homens de Urquarth a piorar de hora para hora, a Infantaria britânica alcança a margem oposta àquela em que se encontravam os pára-quedistas, completamente privados de meios de subsistência e de defesa. A ordem para a retirada das tropas foi dada na madrugada de 25 de Setembro. Na noite desse mesmo dia iniciou-se a operação Berlim. Filas de soldados, completamente esgotados, caminharam em silêncio até ao rio, sendo recolhidos por lanchas do II Exército britânico. Estava terminada a Operação Market Garden.
Para a História ficava uma das mais gloriosas páginas do Exército britânico, escrita pelos homens da 1ª Divisão Aérea. Feitos que, contudo, não foram suficientes para evitar o fracasso da Operação Market-Garden.
As forças de Urquarth foram praticamente aniquiladas: dos mais de 10 mil soldados que lutaram em Arnhem regressaram pouco mais de 2.700. Do lado alemão, apesar de a batalha ter corrido a seu favor, as baixas foram igualmente pesadas, tendo perdido, ao longo dos 10 dias que duraram os combates, cerca de 3 mil homens.
Finda a batalha, os alemães retiraram todos os civis de Arnhem, deixando completamente deserta esta localidade holandesa.