Num período de grandes transformações na Europa, Portugal vê-se obrigado, através do seu chefe de Estado, António de Oliveira Salazar, a gerir uma neutralidade entre dois blocos com interesses em Portugal.
Durante o conflito, surgiram vários problemas para a política portuguesa. Entre eles a questão de Timor e os problemas do volfrâmio e dos Açores.
Portugal na Guerra
Os problemas da política externa portuguesa sempre foram remetidos para segundo plano em prol de outras questões consideradas mais relevantes. Mas a guerra civil espanhola veio alterar essa realidade. A partir de 1936, Salazar chama a si a pasta dos negócios estrangeiros (até 1947) e a da guerra (até 1944). A diplomacia portuguesa vai então reger-se por uma série de directrizes fundamentais para os interesses nacionais:
- Neutralizar o vizinho espanhol (graças à assinatura do Pacto de Amizade e Não-Agressão em Março de 1939, reforçado por um protocolo adicional em Julho de 1940 e, posteriormente, pela criação do Bloco Peninsular, em Dezembro de 1942).
- Apoiar-se na secular aliança Luso-Britânica de forma a proteger e preservar a soberania nacional.
- Ganhar tempo para poder gerir da melhor forma possível, em nome dos interesses portugueses, a complexidade ligada ao estatuto de neutralidade (...) e tirar partido do trunfo que a situação geográfica particular de Portugal e das suas ilhas atlânticas representam. [1].
Em 1936 as forças republicanas e os nacionalistas espanhóis entram em conflito armado. Por muitos considerado inevitável, este confronto veio dar o mote para o nascimento de divisões ideológicas muito marcantes na Europa.
Salazar mantém-se neutro relativamente ao conflito, mas esforça-se por ajudar as forças nacionalistas, concedendo-lhes facilidades junto à fronteira com Portugal. Alguns milhares de voluntários portugueses chegam mesmo a combater ao lado dos espanhóis, roubando rasgados elogios de Salazar, no fim da guerra de Espanha, aquando da vitória dos nacionalistas.
De resto, as afinidades ideológicas entre os dois regimes ibéricos manter-se-ão no pós guerra, como se pode perceber deste discurso do Marechal Carmona, sobre a posição de Península Ibérica na guerra - Si no fuera demasiada presunción por lo que a nosotros respecta, yo ambicionaria que mientras Europa cura sus heridas, fuera la Península una reserva de ideal y mansión de orden y disciplina social. Franco en Portugal, pág. 27">[2].
Por outro lado, a mesma ideia de coesão Ibérica existia por parte de Franco, que proclamava em Portugal (...) y quiso Dios concedernos el don celestre de la paz porque, decididas a mantenerla a todo trance, nos apoyamos mutuamente en el sentir firme de una amistad nacida de nuestro destino histórico común, de nuestra vencidad geográfica y del paralelismo de nuestras instituciones políticas. [3].
Mas em 1939 inicia-se a Segunda Guerra Mundial. No dia 1 de Setembro, os exércitos de Hitler invadem a Polónia e semeiam a semente do que se tornaria uma guerra a uma escala sem precedentes.
Nunca se aliando a nenhum dos blocos, Salazar adopta uma posição ambígua ao longo da guerra, (...) tirando partido do interesse estratégico que as ilhas atlânticas representam e deixando subir a parada relativamente aos Açores. Salazar acaba por se revelar um mestre do pragmatismo na condução da sua política externa, não sem deixar agitar bandeiras de afinidades e sentimentos favoráveis ao Eixo ou aos Aliados que o rodeiam. [4]. Salazar diz também que: O governo considerará como o mais alto serviço ou a maior graça da providência poder manter a paz para o povo português (...) [5].
Deve, porém, ter-se em conta que a pedra basilar na política externa portuguesa durante a Segunda Guerra Mundial é a aliança Luso-Britânica, celebrada no tratado de Windsor. Esta aliança, que se mantém firme durante o conflito, exprime bem a dependência da sociedade portuguesa relativamente ao império britânico. No entanto ela é extremamente importante para os ingleses durante a guerra, uma vez que tem um papel primordial na defesa dos interesses económicos e estratégicos da Inglaterra em Portugal. Da mesma forma, Portugal não ganharia nada em acabar com a aliança, pelo que assume a sua lealdade para com ela: Por mim (...) tomo tanto a peito cumprir fielmente os deveres da aliança como não deixar, por honra e interesse de ambas as partes, corrompê-la (...). [6]. Pode considerar-se a aliança como a força de equilíbrio entre as relações luso-britânicas. As diferenças ideológicas entre o regime inglês e o Estado Novo legitimam prontamente uma série de suspeitas. À semelhança dos outros regimes dos aliados (com óbvia excepção da URSS), o regime inglês é democrático, liberal e parlamentar, enquanto que Salazar se assume como crítico das democracias - Se há um facto demonstrado pela experiência, é que a Democracia e o liberalismo se esgotaram no último século. [7] - e líder de um regime antidemocrático, antiliberal e antiparlamentar. Afastados que estão ideologicamente os dois regimes, existem outras formas de aproximação que acabam, até um ponto, por permitir a ultrapassagem destas diferenças. Os interesses económicos e a nomeação de embaixadores de renome entre os dois países têm como consequência uma mútua tolerância e permissividade política.
Por outro lado, deve considerar-se da mesma forma importante o Tratado de Amizade e Não-Agressão (Pacto Ibérico) assinado entre Portugal e a Espanha a 17 de Março de 1939, fruto da neutralidade politicamente activa portuguesa.
Acerca das relações entre Portugal e o seu vizinho espanhol, dizia Salazar, a 22 de Maio de 1839: Portugal e a Espanha são obrigados a viver paredes meias na península; a boa ou má vizinhança favorece-nos ou prejudica-nos a ambos. Muitas vezes em oito séculos de vida Portugal lutou contra Espanha ou contra estados Espanhóis para manter ou consolidar a sua independência. (...) dois estados irremovivelmente independentes, duas nações fraternalmente solidárias. [8].
Este tratado vai ajudar decisivamente a neutralização da península ibérica:
- Serve os ingleses, porque afasta a Espanha nacionalista da Alemanha e mantém o livre acesso ao Mediterrâneo. Garante também a defesa dos seus interesses nos Açores, fundamentais para o controlo do Atlântico Norte. Este é um dos principais objectivos dos ingleses, e para o atingirem esperam fazer de Salazar o seu pivô, tirando proveitos de todas as suas capacidades diplomáticas. (...) o Dr. Salazar é o único homem imaginável que é capaz de consagrar atrás de si a nação inteira e possivelmente de evitar que o general Franco cometa alguma loucura; [9].
- Serve os portugueses, pois reforça a segurança e garante a inviolabilidade do território nacional. A preocupação com o vizinho espanhol diminui. Eram já notórias algumas ideias de anexação a Portugal, visando unificar a península Ibérica, que começam a preocupar o chefe de estado português: Salazar está absolutamente a par dos projectos de anexação alimentados por alguns membros da falange e das juventudes falangistas. [10]. Salazar está ciente de que conseguiu, numa primeira fase, manter a Espanha fora de Portugal e a Península Ibérica fora da guerra. Servindo os interesses portugueses e agradando os interesses britânicos, Salazar reflecte sobre a questão estratégica da península na guerra e sobre o tratado com Espanha: Quem quer que haja reflectido na política tradicional inglesa e no sentido essencialmente defensivo da sua actuação internacional terá podido compreender quanto a Inglaterra deve apreciar a criação desta verdadeira zona de paz na península, dado que um dos estados é seu velho aliado e outro foi sempre seu amigo. [11]. No entanto, preocupa-se constantemente em desligar-se na Espanha franquista e afirmar a sua lealdade à aliança Luso-Britânica, pois Enquanto a guerra civil se arrastava (na Espanha) (...) os governos português e britânico aprofundavam os problemas da aliança e estudavam em amistosa colaboração as questões relacionadas com a defesa dos dois países.(...) Este simples facto (...) é claramente revelador de como entendemos manter-nos dentro das constantes da nossa História, assegurando na fidelidade à aliança luso-britânica a defesa dos interesses comuns (...). [12].
Por fim, a declaração unilateral da neutralidade portuguesa relativamente ao conflito europeu, proferida por Salazar na Assembleia Nacional, satisfaz também a Inglaterra. Antes de mais, porque o frágil Portugal representaria mais um fardo que uma ajuda. Mas também porque a entrada de Portugal na guerra ao lado dos ingleses poderia levar os espanhóis a aliarem-se a Hitler.
Salazar procura assim uma neutralidade que lhe permita relações com todos os estados beligerantes, de forma a tirar contrapartidas económicas da guerra. Se Portugal tem o dever de não se deixar transviar pelo desassossego geral [13] também (...) a nossa compreensiva universalidade e a extensão dos nossos interesses permitem as melhores e mais amigáveis relações com todos os estados. [14].
A Decisão da Neutralidade
No dia 1 de Setembro de 1939 dá-se o início de uma guerra que, antes de tudo, é fortemente ideologizada: põe em confronto directo as democracias e os totalitarismos.
Neste contexto, Portugal procura definir a sua posição no conflito: se, ideologicamente, o Portugal autoritário, antidemocrático e antiliberal parece mais perto da Alemanha e da Itália, por outro, o perigo da anexação que existe na Espanha franquista (apoiada pelo Eixo) faz prever um alinhamento ao lado dos aliados. Nesta perspectiva, qualquer inclinação pode trazer perigos e por em causa o regime, pelo que se procura manter Portugal fora da guerra, adoptando uma posição neutral no conflito. Diz Salazar, na Assembleia Nacional, a 9 de Outubro de 1939: A Alemanha fez-nos saber estar na disposição de respeitar a integridade de Portugal e das suas possessões ultramarinas em caso de neutralidade; a Inglaterra nada pede em troca da aliança e amizade seculares que nos obrigasse a entrar em conflito, (...). O governo podia assim manifestar ao país a deliberação e a esperança de manter na paz o povo português, salvo se a dignidade, os interesses ou os nossos deveres no-la viessem a fazer abandonar. [15].
A declaração da neutralidade portuguesa permite a Portugal assumir uma postura de distanciamento relativamente à Inglaterra, uma vez que, ao contrário da Primeira Grande Guerra, a declaração da neutralidade não está sujeita à aprovação britânica. Por outro lado, ela dá origem ao alargamento do campo de relações com outras potências, e, consequentemente, a uma aproximação aos estados totalitários, de quem Salazar está indiscutivelmente ideologicamente mais perto.
Servindo, como já foi dito, os interesses britânicos da neutralização da península ibérica, a neutralidade legitimava-se no seu carácter bilateral, pois não sendo uma alternativa à aliança, era, pelo contrário, a expressão da sua vitalidade, e embora assente na conjunção de interesses portugueses e ingleses, não trazia quaisquer embaraços às relações germano-portuguesas. [16].
Assim, Portugal encontra-se numa posição privilegiada para declarar a sua neutralidade relativamente ao conflito europeu.